Trabalho na seleção: muito além dos 90 minutos

Desde 2001 na CBF, o ortopedista Rodrigo Lasmar conta detalhes sobre a sua rotina e fala sobre a complexidade do trabalho que envolve atletas de alto desempenho em um esporte que é paixão nacional

4 de julho de 2014. Estádio Castelão em Fortaleza (CE). Brasil e Colômbia jogam as quarta-de-final da Copa do Mundo FIFA de futebol. 41 minutos do segundo tempo. Cobrança de escanteio no ataque da Colômbia. A bola vem no alto para domínio do atacante Neymar. Na disputa com o lateral Zuniga, sobra um joelho nas costas do brasileiro e ele cai no chão se contorcendo de dor. Os jogadores percebem a gravidade da lesão e pedem desesperadamente a entrada da equipe médica para atendimento do jogador.

Essa provavelmente é a parte da rotina que as pessoas naturalmente reconhecem no trabalho da equipe médica da seleção brasileira de futebol. Porém, embora este seja um dos momentos mais importantes – isto é – na beira do gramado pronto para atender aos atletas, a rotina dos médicos é muito mais ampla, técnica, complexa e desafiadora.

Campeão do Mundo em 2002 com a Seleção Brasileira, o ortopedista e vice-presidente da SBRATE, Rodrigo Lasmar também trabalhou nas Copas de 2006 e 2014. Mas a sua história com o esporte vem de muito antes. Ele é filho do ortopedista Neylor Lasmar, médico da seleção nas Copas de 1982 e 1986. “Aliás, minha primeira Copa, ainda como torcedor, foi a de 1986, no México, quando tinha 14 anos. ”

Para ele, a Ortopedia e Traumatologia do Esporte não trabalha somente na questão do diagnóstico e tratamento das lesões. “O profissional está preocupado com todo um processo que vai desde a prevenção, diagnóstico, tratamento e recuperação do atleta. Por isso que a Traumatologia do Esporte é uma área de atuação tão específica. Não adianta ser, por exemplo, um grande cirurgião de ombro e saber muito bem uma cirurgia de reconstrução de manguito rotador ou ser um cirurgião de joelho e saber fazer muito bem uma cirurgia de reconstrução de ligamento cruzado anterior. Existe uma parte muito maior que é a interação com essas outras áreas. Principalmente para conseguir entender qual é o período ideal para que o atleta volte a fazer determinados estímulos, para não ficar tanto tempo parado, o entrosamento com a preparação física, com a própria fisiologia do exercício. São noções fundamentais. ”

Para falar um pouco mais sobre a atuação da equipe médica da Seleção Brasileira, Lasmar traça um paralelo entre a evolução da medicina e, especificamente da Traumatologia Esportiva, e a própria profissionalização do esporte. “Em 1982, por exemplo, a seleção brasileira levou para a Copa uma equipe com ortopedista, meu pai, dois ou três massagistas e um cardiologista. ” Hoje a CBF possui uma equipe muito maior e, principalmente, multidisciplinar. “Além da equipe médica nós temos fisiologistas, fisioterapeutas, preparadores físicos, nutricionistas e vários outros profissionais preocupados com cada detalhe que pode fazer a diferença na preparação dos atletas. ”

Na avaliação do especialista, basta fazer uma comparação entre os valores de mercado dos atletas e do investimento que é feito em tratamento e prevenção de lesões para que os mesmos fiquem o mínimo possível fora de ação. “Esse investimento acabou ‘pressionando positivamente’ o desenvolvimento da medicina esportiva. E isso é ótimo para o Brasil. Conseguimos conquistar um reconhecimento importante no cenário internacional. Basta tomar como exemplo os casos de atletas e clubes que optam por serem operados no País. Recentemente nós tivemos o caso do Neymar, que foi operado no Brasil, depois de uma decisão conjunta do atleta e de seu clube e isso ganhou grande proporção, mas já é uma realidade há muitos anos. ”

A amplitude do trabalho

Confira a seguir algumas das fases e as diferentes responsabilidades atribuídas ao departamento médico da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) segundo Rodrigo Lasmar:

1) Fora do período de competições

Monitoramento dos atletas que fazem parte de uma lista de “selecionáveis”, se estão atuando constantemente, se tiveram lesões ou estão em período de recuperação. Esse trabalho é constante e depois repassado à comissão técnica para avaliação prévia antes das datas de convocação para competições e/ou amistosos.

2) Fase pré-competições

Antes mesmo da convocação a equipe médica participa da programação para o período de competições. Avalia a questão o local dos treinamentos, os deslocamentos, alimentação, descanso e demais fatores que podem impactar no aspecto físico dos atletas. Isso tudo tem que ser avaliado, estudado e definido com bastante antecedência. “Esse é um trabalho interdisciplinar que envolve o departamento médico e a equipe de fisioterapeutas, nutricionistas, nutrólogos, fisiologistas, preparadores físicos e a própria comissão técnica. É preciso entender as necessidades e a estratégia da parte técnica para viabilizar o melhor atendimento ao atleta, congregando todas as áreas. O objetivo é minimizar qualquer tipo de interferência no desempenho do atleta”, explica Rodrigo.

3) Pós-Convocação

Após a convocação, a equipe segue com a fase de acompanhamento dos atletas – que ainda estão jogando em seus respectivos clubes – até a data da apresentação oficial da Seleção.

4) Pré-viagem

Responsabilidade de organizar a chamada Mala Médica. A equipe leva o máximo de medicamentos que podem ser necessários durante o período de treinamentos e na competição – o que pode durar até 60 dias no caso da Copa do Mundo. Além disso, é preciso levar equipamentos e utensílios para imobilizações (joelho, polegar, ombro, entre outros), órteses e palmilhas e a própria mala que é usada durante os jogos – desde uma caixa de sutura até aparelho de pressão, desfibrilador, entre outros.

5) Durante a competição

Acompanhamento dos períodos de treinamento. Diagnóstico e tratamento das queixas e lesões. “Quando há o caso de suspeita de trauma, queda ou mesmo fratura nós fazemos os exames e informamos a comissão técnica e, posteriormente, comunicamos à imprensa. ”

Controle anti-doping

Em todas as fases acima citadas, o departamento médico é responsável também pelo controle anti-doping dos atletas. “A equipe médica precisa estar atenta ao consumo de medicamentos e até da alimentação. ”