Lesão do tendão/músculo peitoral maior

Autor: Rickson Moraes, MD, MSc
STAFF do Centro de Atenção Especializada em Cirurgia do Ombro e Cotovelo do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO)

 

Introdução

As lesões do peitoral maior eram consideradas raras, com poucos casos relatados na literatura médica até o início da década de 70 do século passado. A partir de então, houve um aumento no interesse pela prática desportiva, incluindo-se aí exercícios de força como a musculação. Paralelamente, verificou-se também um uso crescente de esteróides anabolizantes, pelos praticantes de atividades físicas, objetivando potencializar o aumento da massa magra e ganho de força muscular. Desde então, tem ocorrido incremento progressivo no número de casos reportados de rupturas deste músculo, principalmente em jovens ativos do sexo masculino, com idade entre 20 e 40 anos. Apesar desta elevação na incidência, esta ainda é considerada uma lesão pouco frequente (1). Atualmente, cerca de 75% das lesões estão associadas diretamente à prática de atividades físicas, destacando-se principalmente os esportes de força, de contato e de colisão, como a musculação, o rugby, e o futebol americano. Em nosso meio, a prática de esportes de luta está intimamente associada a estas lesões, sendo um dos fatores predisponentes ao seu desenvolvimento. O Jiu-Jitsu, por exemplo, por ser uma arte marcial bastante difundida no país, é responsável por até 10% do total de casos (2). Além desta, outras modalidades de esporte de combate, como o Wrestling e o MMA, também estão frequentemente associadas às rupturas do peitoral maior.

O músculo peitoral maior tem um formato característico de leque (Figura 1), sendo um potente adutor do ombro, além de contribuir também para a sua rotação medial. Este músculo é composto por duas porções: a esternocostal (responsável por cerca de 70 a 80% da sua massa muscular) e a clavicular. A lesões do peitoral maior ocorrem principalmente por um mecanismo de contração excêntrica, podendo acometer apenas uma das suas porções (geralmente a esternocostal) ou ambas. Estas lesões ocorrem mais frequentemente por uma avulsão do tendão a partir da sua inserção umeral, porém podem ocorrer também lesões transtendíneas, miotendíneas e mesmo do ventre muscular (3,4). Estas lesões ocorrem com bastante frequência durante o exercício de supino, porém podem estar associadas a outros mecanismos, dependendo do esporte praticado.

Figura 1
Legenda: Figura demonstrando a similaridade entre a anatomia do peitoral maior e o formato de um leque.
Fonte: Adaptado de ElMaraghy (4).

O diagnóstico da ruptura aguda do peitoral maior pode ser realizado de maneira clínica, através do exame físico (Figura 2), porém a confirmação do padrão e local da ruptura pode exigir que se realizem exames de imagem como a ultrassonografia ou, idealmente, a ressonância magnética (Figura 3).

Figura 2
Legenda: Exame físico de paciente com lesão aguda do peitoral maior esquerdo evidenciando assimetria entre os dois lados, com retração medial do músculo á esquerda, além de alteração do seu contorno à inspeção (seta).
Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

Figura 3
Legenda: Imagem de ressonância magnética de hemitórax e ombro direitos, no plano axial, evidenciando ruptura aguda, transtendínea, das porções clavicular e esternocostal do peitoral maior (círculo amarelo).
Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

As lesões do peitoral maior podem cursar com deformidade estética ou com diminuição da força. De maneira geral, é maior a satisfação do paciente quando as rupturas completas são tratadas cirurgicamente (2), pois estas alterações estéticas e da força tendem a ser minimizadas. Há alguns padrões de lesões, como as do ventre muscular, que são tratadas geralmente de maneira não-cirúrgica, porém o fato de a lesão ocorrer na substância do tendão ou na transição miotendínea não é uma contraindicação para a realização do procedimento, pois enxertos tendíneos autólogos (retirados do próprio paciente) ou homólogos (fornecidos por bancos de tecidos musculoesqueléticos) podem ser utilizados para reforço local ou reconstrução, caso seja necessário (Figura 4).


Figura 4

Legenda: Imagem transoperatória de ruptura aguda das duas porções do peitoral maior, na região miotendínea, onde foi utilizado autoenxerto de tendões flexores do joelho para a reconstrução.
Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

Para que o sucesso cirúrgico seja alcançado, é de fundamental importância que o cirurgião conheça profundamente a anatomia muscular e da sua inserção umeral (5), além de estar habituado ao procedimento. O objetivo da cirurgia é que se consiga realizar uma reinserção ou reconstrução o mais anatômica possível. A reinserção no úmero pode ser realizada através de pontos transósseos ou utilizando-se dispositivos como âncoras de sutura ou botões metálicos (Figura 5).

Figura 5
Legenda: Radiografia pós operatória evidenciando três botões metálicos utilizados para reinserção, unicortical, do músculo peitoral maior (representado através do desenho, em vermelho).
Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

No pós-operatório, geralmente recomenda-se realizar um período de proteção, em rotação medial, em torno de seis semanas em média. Esta proteção pode ser realizada com o uso de tipoia tipo americana. Após este período inicial, segue-se com a reabilitação, com foco em analgesia e no ganho de amplitude de movimento (ADM) articular na fisioterapia. Passadas 16 semanas, estando o paciente já sem dor e tendo sido recuperada a ADM, exercícios de fortalecimento do peitoral maior podem ser iniciados, geralmente com carga leve e aumento gradual e progressivo até o sexto mês pós-operatório. O tempo médio de retorno ao esporte, em mesmo nível pré-lesão, varia entre 5,5 e 6,1 meses (6,7). Na maioria dos casos, o resultado cirúrgico é bastante satisfatório, sendo considerados como bons e excelentes entre 83 e 94% dos casos.

Referências

1. Balazs GC, Brelin AM, Donohue MA, Dworak TC, Rue J-PH, Giuliani JR, et al. Incidence Rate and Results of the Surgical Treatment of Pectoralis Major Tendon Ruptures in Active-Duty Military Personnel. Am J Sports Med [Internet]. 2016 Jul 1;44(7):1837–43. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0363546516637177

2. Pochini A de C, Andreoli CV, Belangero PS, Figueiredo EA, Terra BB, Cohen C, et al. Clinical Considerations for the Surgical Treatment of Pectoralis Major Muscle Ruptures Based on 60 Cases. Am J Sports Med [Internet]. 2014 Jan 5;42(1):95–102. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0363546513506556

3. Tietjen R. Closed Injuries of the Pectoralis Major Muscle. J Trauma [Internet]. 1980 Mar;20(3):262–4. Available from: http://journals.lww.com/00005373-198003000-00015

4. ElMaraghy AW, Devereaux MW. A systematic review and comprehensive classification of pectoralis major tears. J Shoulder Elb Surg [Internet]. 2012 Mar;21(3):412–22. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.jse.2011.04.035

5. Bois AJ, Lo IKY. Surgical anatomy of the pectoralis major tendon insertion revisited: relationship to nearby structures and the pectoral eminence for defining the anatomic footprint. JSES Int [Internet]. 2020 Jun;4(2):324–32. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jseint.2020.02.010

6. Cordasco FA, Mahony GT, Tsouris N, Degen RM. Pectoralis major tendon tears: functional outcomes and return to sport in a consecutive series of 40 athletes. J Shoulder Elb Surg [Internet]. 2017 Mar;26(3):458–63. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.jse.2016.07.018

7. Yu J, Zhang C, Horner N, Ayeni OR, Leroux T, Alolabi B, et al. Outcomes and Return to Sport After Pectoralis Major Tendon Repair: A Systematic Review. Sport Heal A Multidiscip Approach [Internet]. 2019 Mar 13;11(2):134–41. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1941738118818060