Lesões Suprafisiológicas do Quadril

Por Prof. Dr Roberto Dantas Queiroz – Mestre e Doutor pela Escola Paulista de Medicina – UNIFESP, Diretor do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo- IAMSPE
Dr David Jeronimo Peres Fingerhut, – Ortopedista e Traumatologista pelo Hospital Santa Casa de Misericordia de Marilia- Marilia/SP
Dr Luiz Henrique Saito – Ortopedista e Traumatologista pela Irmandade Santa Casa de Londrina- Londrina/PR

 

Introdução

 

A pelve e o quadril assumem um papel biomecânico fundamental na maioria das atividades esportivas(1). A anatomia desta região, diartrose esferoidal, é adaptada para absorver e transferir forças como a de reação do solo e a transmissão da energia cinética gerada no esqueleto axial para os membros inferiores e superiores(2).

Estudos demonstram que as cargas aplicadas no quadril durante a atividade esportiva são de até oito vezes maiores em comparação à posição ortostática(3), situação possível devido a estabilidade articular intrínseca e a influência de uma musculatura potente que circunda a articulação.

Devido aos avanços em relação a compreensão da morfologia humana surgiram novas modalidades esportivas e novos aparelhos que visam o implemento de grupos musculares específicos, levando a um aumento no número de praticantes de esportes e a consequente elevação no número de lesões, assim como a sua complexidade (18).

Determinados esportes estão relacionados à maior propensão para o surgimento de lesões pélvicas ecorrente do movimento e da biomecânica que o esporte exige.

Os esportes que apresentam como gestos esportivos movimentos com deslocamentos laterais e rotacionais, e aqueles com movimentos repetitivos envolvendo chutes são os que mostram maior risco para o desenvolvimento do quadril doloroso no atleta(2,8).

As lesões pélvicas podem ser diferenciadas em intra-articulares e extra-articulares. As lesões extra-articulares, mais comuns, são decorrentes de atividades repetitivas que causam inflamações, lesoes musculares, tendinopatias e bursites e as lesões intra-articulares são o impacto fêmoroacetabular, lesão do lábio acetabular (labrum), lesões condrais, sinovites e lesões do ligamento redondo. Em alguns casos, essas lesões podem coexistir, uma vez que desordens extra-articulares podem aparecer em conseqüência de afecções intra-articulares(4,5,9).

As considerações anatômicas e biomecânicas das lesões nesta área estão entre as alterações mais complexas do sistema músculo-esquelético, o que dificulta o diagnóstico e tratamento(10).

 

Mecanismo:

A articulação coxofemoral normal apresenta uma amplitude de movimento menor que outras grandes articulações do corpo humano, sendo formada pelo acetábulo hemisférico e o fêmur esférico, ambas as superfícies cobertas por cartilagem (16).

Durante as atividades o quadril é submetido a forças axiais, translacionais ou/e torsionais, dependendo quase que exclusivamente do seu arcabouço ósseocartilaginoso para manter sua função (16,17).

Movimentos repetitivos, rotações externas associadas a cargas axiais, hiperabdução e hiperflexão, presentes em lutas, ballet, futebol, rugby, tênis, crossfit, entre outros esportes, e no simples alongamento para a corrida, são algumas das ações que podem resultar em lesões intra-articulares graves da articulação coxo femoral, sobretudo naqueles que apresentam alterações na sua morfologia do acetábulo e fêmur proximal, o impacto femoroacetabular, podendo esta alterações serem classificadas do tipo Came, Pincer ou Misto (20). Figura 1 e 2.

 

O levantamento de peso realizado de forma errada pode gerar grande impacto na região do quadril, que pode gerar lesão do lábio acetabular. O principal movimento causador da lesão é a flexão excessiva do quadril com peso e movimentos que proporcionem uma grande rotação interna (17).

 

Os estiramentos musculares são mais comuns em praticantes de atletismo, sendo o grupo muscular mais afetado os isquiotibiais na porção proximal, devido a solicitação constante dessa musculatura durante a corrida, salto e acelerações que necessitam de grandes velocidades e força na contração. A variação na tensão na unidade músculotendínea contribui para o aparecimento das lesões em diferentes graus. Os flexores do quadril e adutores também podem ser acometidos por estiramentos principalmente em modalidades com movimentos de arranque e mudanças repentinas de direção. Nesses atletas a prática excessiva em preparo prévio ou atividades de corridas de longa distância podem levar a patologia de fratura por estresse. Mais comum em mulheres, sendo o fêmur acometido em 8% dessas fraturas. (17,21)

 

Nos atletas praticantes de futebol a pubalgia apresenta predominância do sexo masculino, ocasionado pelo excesso de treinamento e presença de desequilíbrio entre a musculatura adutora e reto do abdômen e por ser uma atividade de muito contato físico, predispõe também a lesões musculotendíneas. (16)

 

Epidemiologia

A literatura estima que cerca 5 a 9% das lesões dos atletas se localizam na região do quadril. Principalmente correlacionadas com esportes que necessitem de flexão repetitiva do quadril, como por exemplo as artes marciais e futebol. (22)

Atualmente, com avanço do meios de diagnósticos por imagem, as lesões labrais do quadril estão relacionadas em 73% com o impacto femoroacetabular, sendo esta lesão, em muitos caso, um pródromo de lesões mais sérias.(23)
O aumento da idade, nível de intensidade e de competitividade no esporte são diretamente proporcionais a elevação no número de lesões e sua complexidade. (18,19)

 

Prevenção

A osteoartrose precoce da articulação do quadril esta diretamente relacionado ao impacto femoroacetabular. A principal prevenção consiste em evitar grandes amplitudes dos movimentos, nos diferentes eixos, que não deve ser dolorosa e sim limitada às características individuais de cada atleta, visto qua a própria estrutura da anatomia óssea do tipo Came, Pincer ou misto, muito frequente em vá-rios atletas, impõe limites, que erroneamente são ultrapassados. Deste modo, é prudente evitar atividades com hiperabdução e hiperflexão, realizar preparo prévio para atividades físicas (fortalecimento global) e diminuir a intensidade das atividades físicas principalmente em corredores e movimentos que envolvem salto, que podem sobrecarregar estabilizadores estáticos e dinâmicos. (17)

Tratamento

Tratamento clinico:
Inicialmente, consideramos tratamento clinico em pacientes oligossintomáticos, dor inconstante que envolve orientações quanto as atividades físicas, postural, analgesia, reforço muscular, anti-inflamatórios e condroprotetores, para evitar piora clinica/radiológica. Divididos em fases:

– Fase 1:
Objetivos: diminuição do quadro álgico, correção de erros biomecânicos, ativação de músculos estabilizadores do quadril, cicatrização da área lesada ( quando possível), melhoras amplitude de movimento (ADM) livre de dor.
Orientações: evitar – realizar extensão do quadril, movimentos que desencadeiam a dor, extremos de amplitudes, cargas axiais (ex: legg-press), alongamento agressivo/balístico, exercícios que requerem muita força dos flexores de quadril e limitar agachamentos ate 70 graus de flexão.

Ondas eletromagnéticas: diatermia na fase crônica: auxiliam no reparo tecidual e aumento da circulação e do metabolismo

Eletrofototerapia: pouca ação devido profundidade da lesão, tratamento de lesões associadas superficiais.
Circundação, deslizamento miofascial e mobilização da sacro-iliaca e coluna lombar.
Na ativação dos estabilizadores dinâmicos do quadril utilizar cinestesia para ativação de glúteo médio e máximo, sem aumento de tensão em tensor da fáscia lata.

– Fase 2:

Objetivos: Melhorar força de estabilizadores dinâmicos lombo-pélvicos, melhorar amplitude de movimento (ADM) do quadril, melhora da propriocepção e correções de erros no gesto esportivo.
Exercícios de fortalecimento do core: ênfase nos músculos abdominais, glúteo médio e mínimo e glúteo máximo – ponte, pranchas lateral e frontal, etc…

Treino de propriocepção: exercícios em superfície estável evoluindo para instável Hidroterapia: fortalecimento e treino de equilíbrio.

Bicicleta e/ou elíptico: realizar sem dor, elevando o banco da bicicleta.

– Fase 3:

Objetivos: melhorar estabilidade dinâmica, melhora da propriocepção, correções de erros biomecânicos e retorno gradual ao esporte.
Manter orientações e exercícios das fases 1 e 2.
Treino de marcha e gesto esportivo: iniciar treino de corrida, evoluindo para corridas laterais, corridas com mudança de direção, realizar movimentos rotacionais. Todos exercícios devem ser realizados sem dor.

Tratamento cirúrgico:

Aberto: luxação controlada realiza reparos labral, retirada de corpos livre, osteoplastias do acetabulo e do fêmur proximal.

Artroscópico: realizado por videoartroscopia realiza reparo labral ( debridamento, sutura e reconstrução), osteoplastia do fêmur proximal e regularicação da borda do acetábulo, sendo uma técnica menos invasiva e otimiza a recuperação do paciente.

Referências

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2. Murphy DF, Connolly DA, Beynnon BD. Risk factors for lower extremity injury: a review of the litera-ture. Br J Sports Med. 2003; 37 (1):13-29.
3. Anderson K, Strickland SM, Warren R. Hip and groin injuries in athletes. Am J Sports Med. 2001;29(4):521-33.
4. Boyd KT, Peirce NS, Batt ME. Common hip injuries in sport. Sports Med. 1997; 24 (4):273-88.
5. Morelli V, Smith V. Groin injuries in athletes. Am Fam Physician. 2001; 64 (8): 1405-14.
6. Maffulli N, Longo UG, Gougoulias N, Caine D, Denaro V. Sport injuries: a review of outcomes. Br Med Bull. 2011; 97 (1):47-80.
7. Ristolainen L, Heinonen A, Turunen H, Mannström H, Waller B, Kettunen JA, et al. Type of sport is re-lated to injury profile: a study on cross country skiers, swimmers, long-distance runners and soccer play-ers. A retrospective 12-month study. Scand J Med Sci Sports. 2010; 20 (3):384-93.
8. Lynch SA, Renström PA. Groin injuries in sport: treatment strategies. Sports Med. 1999; 28 (2):137-44.
9. DeAngelis NA, Busconi BD. Assessment and differential diagnosis of the painful hip. Clin Orthop Relat Res. 2003; (406):11-8.
10. Renstroem AF. Groin injuries: a true challenge in orthopaedic sports medicine. Sport Med Arthrosc Rev. 1997; 5:247-51.
11. American Orthopedic Society for Sports Medicine. Injuries to the pelvis, hip, and thigh. In: Griffin LY. Orthopedic knowledge update. Rosemond (IL): American Academy of Orthopaedic; 1994.
12. Scopp JM, Moorman CT 3rd. The assessment of athletic hip injury. Clin Sports Med. 2001; 20 (4):647-59.
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17. Geraldo R. Motta Filho, Tarcisio E. P. De Barros Filho. Ortopedia e Traumatologia. 1º edicao. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017.
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