Avanços no diagnóstico e tratamento das lesões musculares

As lesões musculares continuam sendo as lesões mais frequentes relacionadas ao esporte. Estatísticas do futebol evidenciam que 36% de todas as lesões correspondem a lesões musculares da coxa. Para se ter uma ideia, o tratamento de uma lesão muscular grave leva em torno de três meses, sendo que um mês de afastamento de um jogador de futebol da UEFA tem um custo de €500mil, em média. Dada a elevada incidência e importância destas lesões, muito se tem pesquisado com relação aos métodos de prevenção, tratamento e reabilitação para o pleno retorno ao esporte no menor prazo possível, porém com o máximo de cuidado para se evitar recidivas.

 

Em relação aos métodos de prevenção, é necessário citar os esforços e pesquisas do FIFA Medical Network e Centros de Excelência da FIFA, que elaboraram o programa FIFA11+. O programa é composto de uma série de exercícios de preparação e aquecimento para aumento de força e flexibilidade, e mostrou reduzir significativamente a incidência de lesões.

 

As classificações das lesões musculares também evoluíram muito nos últimos anos, buscando entender melhor as especificidades de cada tipo de lesão, para fins prognósticos e de tratamento. A classificação clássica de O’Donoghue (1962), divide as lesões em três graus (estiramento, lesão parcial, e lesão completa), e foi modificada ao longo do tempo por Ryan (1969), que incluía a lesão da fáscia como um critério da classificação, Takebayashi (1995), com a classificação baseada na ultrassonografia, e Stoller (2007) com a classificação baseada na ressonância magnética, mas seguindo em linhas gerais a divisão proposta originalmente por O’Dognohue.

 

Mais recentemente, houve a tentativa de um consenso com a classificação de Munique (2013), mais abrangente, que incluía não apenas as lesões musculares indiretas mas também as lesões musculares diretas e as lesões funcionais (relacionadas ao esforço, lesões neurológicas ou desordens neuromusculares). Porém, considerando que a classificação de Munique não é muito detalhada com relação às lesões musculares indiretas, houve a proposta de classificação britânica (BAMIC, 2014), que divide as lesões musculares em cinco tipos levando em consideração as imagens de RM, e a classificação de Barcelona-Aspetar-Duke (2017), que leva em conta o mecanismo da lesão, localização no músculo, grau da lesão e se é uma recidiva ou não (resumido pela sigla MLG-R).

 

Os avanços no entendimento da biologia das lesões musculares e do processo de cicatrização levaram a estudos de terapia biológica principalmente com plasma rico em plaquetas (PRP). Alguns estudos apresentaram resultados favoráveis e promissores, enquanto outros estudos não apresentaram resultados significativos. Desta forma Hamid (AJSM, 2014), Hamilton (BJSM, 2015) e Rossi (KSSTA, 2016), mostraram retorno ao esporte em 21 a 26 dias em lesões de isquiotibiais após o uso de PRP, comparado a um período de 25 a 42 dias no grupo controle. Porém Reurink (NEJM, 2014) não demonstrou diferença significativa (42 dias em ambos os grupos). Em uma meta-análise, Sheth (Arthroscopy, 2018) concluiu que nos casos tratados com PRP houve um retorno 5,5 dias mais precoce aos esportes, porém, considerando apenas lesões de músculos isquiotibiais não foi obserada diferença significativa. Cabe ressaltar que todos os estudos incluíram as lesões musculares grau I e grau II, tendo como desfecho o tempo de retorno ao esporte. Portanto não há evidências a favor ou contra nas lesões mais graves (grau III) ou com relação a taxa de recidiva.

 

O tratamento cirúrgico das lesões musculares graves também apresenta evolução. O tratamento conservador continua sendo a regra no tratamento das lesões musculares indiretas, mesmo nas lesões musculares completas. Nas avulsões do adutor longo ou do reto femoral, embora haja relato de tratamento cirúrgico, este é pouco estabelecido e controverso. Em uma série de casos, Schlegel (AJSM, 2009) inclusive demonstrou melhor resultado e retorno mais precoce à atividade esportiva com o tratamento não-operatório da avulsão do adutor longo do que com o tratamento cirúrgico. Nas avulsões ósseas, entretanto, o tratamento cirúrgico com a fixação deve ser considerado quando há retração maior que 2 cm, principalmente em adultos.

 

Nas avulsões dos isquiotibiais, diversos relatos de caso mostram melhores resultados com o tratamento cirúrgico no atleta quando há lesão completa na origem do tendão conjunto dos isquiotibiais, principalmente com retração maior que 2 cm. Nestes casos, o reparo do tendão conjunto com âncoras fixadas no ísquio (veja o vídeo) parece proporcionar melhor recuperação de força e função do que o tratamento não operatório. Nossa conduta atual tem sido a abordagem cirúrgica das avulsões completas dos isquiotibiais com retração. Temos observado casos de perda funcional persistente após este tipo de lesão tratada de forma não operatória, e estes casos tem apresentado boa evolução após a cirurgia mesmo com a abordagem na fase subaguda ou crônica (4 a 6 meses após a lesão).