Tiago Lazzaretti Fernandes, MD, PhD, MsC – Professor Colaborador e Orientador do Programa de Pós-graduação do Sistema Musculoesquelético da Faculdade de Medicina da USP – Grupo de Medicina do Esporte – IOT HC-FMSUP
Caio Gomes Tabet – Residente de Traumatologia do Esporte – Grupo de Medicina do Esporte – IOT HC-FMSUP
Carlos Vicente Andreoli
Cole BJ, Gilat R, DiFiori J, Rodeo SA, Bedi A. The 2020 NBA Orthobiologics Consensus Statement. Orthop J Sports Med. 2021 May 6;9(5)
Em maio de 2021, um grupo de renomados ortopedistas ligados à principal liga de basquete do mundo publicou na revista Orthopaedic Journal of Sports Medicine (OJSM) o resultado de um consenso realizado em 2020 sobre o uso de ortobiológicos em lesões de jogadores da NBA (National Basketball Association). Esse consenso foi realizado a partir de uma revisão feita por nove médicos ligados a NBA e foi respaldado pelo comitê médico executivo da NBA, comitê de pesquisa da NBA e pela associação de jogadores da NBA.
O objetivo da publicação foi apresentar um resumo conciso da literatura disponível, considerando primariamente a segurança dos atletas e as evidências de eficácia dos ortobiológicos, para formar uma diretriz de prática clínica para os médicos das equipes da NBA.
ORTOBIOLÓGICOS
As terapias ortobiológicas abrangem uma grande variedade de substâncias injetáveis, como fatores de crescimento, Plasma-Rico-em-Plaquetas (PRP), terapia celular com aspirado de medula óssea (BMAC) ou do tecido adiposo e terapia com manipulação celular, a partir destas mesmas fontes autólogas ou também de fontes alogênicas, como tecidos amnióticos. O racional por trás dessas terapias é o potencial de regeneração e cicatrização de tecidos que têm pouca capacidade intrínseca de reparo, como cartilagem, menisco, ligamentos, tendões e músculos. Os estudos pré-clínicos realizados apresentaram resultados animadores, inclusive quanto ao potencial regenerativo, o que alimentou a esperança de efeitos positivos em humanos, porém os diversos estudos clínicos subsequentes foram controversos ao avaliar os desfechos de dor, função e retorno ao esporte.
O uso de ortobiológicos na medicina esportiva é de considerável interesse, especialmente no que se refere aos atletas profissionais, pois existe uma grande expectativa de que essas terapias promovam menor tempo de afastamento e uma recuperação mais eficaz das lesões.
Os autores descrevem que, embora essas novas substâncias tenham potencial para aprimorar a cicatrização e regeneração de tecidos lesados, a comunidade científica ainda convive com a falta de dados robustos para apoiar seu uso regular. Os estudos disponíveis são de baixa qualidade e inconclusivos, de modo que não há evidências concretas para que os autores recomendem a ampla implementação da ortobiologia. O julgamento clínico imparcial com ênfase na segurança do jogador deve sempre prevalecer.
Atualmente, nos EUA, o FDA aprova o uso apenas de preparos autólogos e minimamente manipulados, como PRP e concentrado do aspirado de medula óssea (BMAC). Estes são considerados inerentemente seguros, com raros efeitos colaterais. O efeito colateral mais comum do PRP é uma resposta inflamatória local autolimitada e benigna. E do BMAC, na região doadora seria a infecção, sangramento ou quebra da agulha. Já na região da infiltração, o principal risco seria de infecção
Plasma-Rico-em-Plaquetas (PRP)
Utilizando o sangue autólogo do paciente submetido a centrifugação, ele é relativamente seguro e se consagrou como o ortobiológico mais utilizado para lesões musculoesqueléticas em atletas. Além das plaquetas, um importante componente do PRP são as abundantes proteínas com ação cicatrizante, anti-inflamatória e analgésica.
Terapia Celular
As células precursoras possuem habilidade intrínseca de regeneração e de diferenciação em diversos tipos celulares, o que motivou seu uso visando a regeneração de tecidos com baixo potencial de reparo.
Na verdade, os estudos pré-clínicos sugerem que o principal efeito ocorre através do mecanismo parácrino imunomodulatório, que modifica o microambiente promovendo melhora cicatricial e sintomática, e não a regeneração do tecido original. Apesar do enorme potencial, os autores não encontraram evidência de alta qualidade que respaldem o seu uso.
Como as “células-tronco” adultas são capazes de se diferenciar apenas nos derivados de uma única camada embriológica (Células Estromais Mesenquimais (MSC) = tecidos conjuntivos e musculares), os principais grupos de pesquisa têm sugerido que o termo mais adequado deveria ser “progenitoras do tecido conjuntivo’.
As principais fontes autólogas são a medula óssea e o tecido adiposo, enquanto a alogênica é obtida de tecidos amnióticos e cordão umbilical.
Nos Estados Unidos, os órgãos regulamentadores não permitem o isolamento e expansão em laboratório das células obtidas, de modo que a quantidade de células disponíveis nos procedimentos atuais é muito pequena. Além do mais, o número real de células que sobrevive a todo o processo até a infiltração é desconhecido.
MANEJO DE PATOLOGIAS ESPECÍFICAS
Lesões focais da cartilagem do joelho
São uma causa comum de dor e incapacidade em atletas. A capacidade limitada de cicatrização da cartilagem pode resultar em um período significativo afastado dos jogos, desenvolvimento precoce de osteoartrite e encurtamento da carreira do atleta profissional.
Os autores referem que não há atualmente nenhuma evidencia de alta, mas vários estudos têm mostrado resultados promissores do PRP ou BMAC como adjuvantes de tratamentos cirúrgicos, dado a atividade anti-inflamatória da terapia ortobiológica, valorizando mais a capacidade de modificar o sintoma do que de modificar o tecido.
Osteoartrite do Joelho
O manejo e a prevenção da Osteoartrite (OA) do joelho são de grande importância para a carreira saudável dos atletas.
O PRP pobre-em-leucócitos (LP-PRP) e a infiltração de MSC se mostraram efetivos para o alivio sintomático da OA, mas não para regenerar ou impedir a progressão da doença. A eficácia da combinação de Ácido Hialurônico + PRP conjugados vem sendo investigada recentemente com resultados preliminares encorajadores.
Vários estudos clínicos não randomizados avaliando uso de MSC e BMAC apresentaram bons resultados, especialmente na OA leve. Porém, estudos de maior qualidade não descrevem diferença na melhora da dor.
Lesão Miotendínea
Lesões musculares são extremamente comuns no basquete. As lesões graves resultam em um tempo de afastamento, enfraquecimento muscular e taxa de recorrência significativos.
As evidências de alto nível não defendem os ortobiológicos para lesões musculares agudas. Recentemente, o uso de Plasma Pobre em Plaquetas (PPP) vem sendo estudado, com evidências pré-clínicas promissoras. Entretanto, a evidencia clínica para o uso de PPP também permanece escassa.
Tendinopatia Patelar
Também conhecida como joelho do saltador (jumper’s knee), é uma lesão muito frequente na NBA, dada a carga repetitiva imposta ao mecanismo extensor do joelho nos saltos.
Vários estudos descrevem alivio sintomático importante com o LR-PRP para tendinopatia patelar crônica, embora recentemente um estudo nível 1 não ter demonstrado diferença significativa nos resultados comparando LR-PRP, LP-PRP e placebo.
Poucos estudos foram publicados avaliando a terapia celular para Tendinopatia patelar. O uso de BMAC foi capaz de apresentar melhora sintomática significativa por 5 anos em um estudo com uma amostra pequena de pacientes.
Entorses do tornozelo
Uma das lesões mais comuns em jogadores profissionais de baquete, as entorses baixas podem ser manejadas com o protocolo RICE e fisioterapia. Entretanto, as lesões baixas mais severas e as entorses altas podem resultar em um tempo de afastamento significativo, com recorrência frequente.
Evidência disponível limitada não defende o uso de PRP, embora exista uma serie de casos que descreva retorno ao esporte precoce e melhora da dor com LP-PRP em entorses altas.
Os autores do consenso desconhecem estudos clínicos de qualidade que apoiem o uso de BMAC ou terapia celular nessa patologia.
Tendinopatia do Aquiles
Uma doença com vários níveis de gravidade, que afeta a performance e gera afastamento dos jogos. Diversas modalidades de tratamentos foram desenvolvidas, mas até hoje o tratamento permanece um desafio para inúmeros jogadores.
A maioria dos estudos descreveram não haver melhora nos desfechos com o PRP ou MSC. De relevante, um estudo encontrou redução do espessamento tendíneo utilizando PRP, o que pode sugerir um remodelamento do tecido, mas não é suficiente para configurar uma recomendação.
Fasceíte plantar
Existe apoio da literatura, apesar de limitado, para o uso de infiltração com PRP como adjuvante quando comparado a corticosteroides, sugerindo uma melhora mais importante com menos efeitos colaterais. Alguns ECR avaliaram o uso de terapia celular com tecido amniótico para fasciopatia plantar com resultados animadores para o manejo da dor. Apesar disso, nenhuma conclusão definitiva pode ser tomada no momento pelos autores, por falta de estudos de alta qualidade.
Augmentation cirúrgico
Alguns estudos encontraram efeitos benéficos do augmentation com ortobiológicos em diversos procedimentos cirúrgicos, especialmente nas lesões condrais. Entretanto, a evidencia para defender que haja melhora significativa nos desfechos clínicos ainda é limitada.
TABELA 1. Resumo das recomendações do Consenso de Ortobiológicos da NBA de 2020
(NBA Team Physicians Society & National Basketball Players Association) |
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Lesões | Recomendações |
Lesão da cartilagem do joelho | Faltam evidências que defendam a indicação, mas o consenso considera o uso de ortobiológicos como uma alternativa segura para melhora dos sintomas, mesmo na ausência de regeneração tecidual. |
Osteoartrite do joelho | · PRP, BMAC e MSC podem ser usados com segurança para alivio sintomático. LP-PRP tem o maior embasamento das evidências.
· Não são indicados para prevenção de AO e a capacidade de regenerar tecido é duvidosa. |
Lesão miotendínea | Os autores não recomendado o uso rotineiro para lesões musculares agudas atualmente. |
Tendinopatia patelar | · O consenso recomenda o uso de PRP (preferencialmente LR-PRP) como adjuvante às terapias conservadoras de primeira linha.
· Faltam evidências que defendam as terapias celulares. |
Entorse do tornozelo | · Recomendado pelos autores que se considere caso-a-caso a infiltração de LP-PRP para entorses altas do tornozelo.
· Não recomendam o uso de ortobiológicos em entorses baixas. |
Tendinopatia do Aquiles | Os autores não recomendam ortobiológicos para Tendinopatia do Aquiles. |
Fasceíte plantar | · O consenso recomenda considerar o uso de PRP como adjuvante às terapias de primeira linha ou na falha destas.
· Os autores não dispõem de evidências que embasem o uso de terapia celular. |
Augmentation cirúrgico | · Os autores concluíram não dispor de evidências que embasem o uso de PRP como augmentation em lesões de LCA ou meniscos.
· BMAC e terapia celular com a fração vascular estromal derivada do tecido adiposo podem ser adjuvantes em procedimentos de lesão da cartilagem, embora não seja recomendado o uso rotineiro. |
PRINCIPAIS CONSIDERAÇÕES
Dada a alta variabilidade das formulações de ortobiológicos, é imprescindível que os médicos envolvidos com o esporte se mantenham atualizados com a literatura e os protocolos mais recentes de uso de ortobiológicos para cada lesão especifica. Devemos seguir estratégias meticulosas e com técnicas estéreis para otimizar os resultados e minimizar o risco de efeitos colaterais para os atletas.
O principal obstáculo enfrentado pelos autores nesta revisão foi a heterogeneidade em relação às formulações dos ortobiológicos, técnicas, design dos estudos e indicações para patologias específicas, além de follow-up curto e falta de dados dos efeitos colaterais. Em todos os casos, essa característica dificultou o desenvolvimento de recomendações firmes, pois não identificaram estudos de alto nível de evidência que permitissem gerar conclusões com alta probabilidade de certeza.
Segundo os autores, a literatura disponível até o momento fornece embasamento para o uso de LP-PRP no tratamento de osteoartrite do joelho e permite considerar o uso de LR-PRP para Tendinopatia patelar.
As pesquisas em andamento proporcionarão um aprofundamento no entendimento dos reais efeitos e indicações dos ortobiológicos. É necessário desenvolver algoritmos de tratamento baseados em evidencia e identificar quais as formulações ideais de ortobiológicos para cada indicação. Mudanças nas políticas regulamentatórias e uma padronização dos processos serão necessários, visto o aumento exponencial do uso dessas terapias, o desenvolvimento de novas técnicas e substancias e a procura, por alguns pacientes, de tratamentos em países com políticas mais brandas quanto à manipulação celular.
Referência: Cole BJ, Gilat R, DiFiori J, Rodeo SA, Bedi A. The 2020 NBA Orthobiologics Consensus Statement. Orthop J Sports Med. 2021 May 6;9(5):23259671211002296. doi: 10.1177/23259671211002296. PMID: 34017878; PMCID: PMC8114275.