A reconstrução do ligamento cruzado anterior (LCA) do joelho é um dos procedimentos ortopédicos que mais tem recebido atenção nos últimos anos, levando a um aprimoramento das técnicas utilizadas. Essa reconstrução ligamentar é frequentemente indicada para restaurar a estabilidade do joelho e prevenir a degeneração precoce dessa articulação.1
Entretanto, ainda não se encontrou a solução ideal para a instabilidade causada pela insuficiência desse ligamento.
Muitas publicações, no passado recente, salientavam que o enxerto ideal para a reconstrução do LCA deveria levar a uma reprodução anatômica, reprodução biomecânica, fixação inicial rígida, rápida incorporação biológica e uma mínima morbidade da área doadora. Ainda nos dias atuais permanecem elusivas todas essas qualidades no enxerto.
Embora muitas técnicas e enxertos têm sido utilizados para realizar a reconstrução do LCA, os tendões flexores (Fig. 1) e o terço médio do tendão patelar (Fig.2), autólogos, têm sido os mais frequentemente utilizados, e diversos trabalhos mostram que os mesmos são semelhantes em termos de resultados, retorno ao esporte ou complicações.2-5
Fig. 1. Enxerto do semitendíneo e grácil (tendões flexores)
Fig. 2. Enxerto do tendão patelar
A escolha do enxerto a ser utilizado fica a critério do cirurgião, uma vez que diversos trabalhos não mostram diferenças entre os mesmos. Muitos estudos realizam a comparação entre as 2 técnicas (tendão patelar e os tendões flexores), mostrando as vantagens e desvantagens entre elas.6-8
Samuelsen9, em uma meta-análise com mais de 47.000 pacientes, conclui que os enxertos com tendões flexores falham mais quando comparados com os enxertos do tendão patelar. Entretanto, as diferenças observadas são pequenas em comparação com relação a frouxidão, sendo que ambos enxertos são considerados viáveis para a reconstrução primaria do LCA.
Outro enxerto que tem sido comumente utilizado para a reconstrução do LCA é o tendão do quadríceps autólogo. Hurley e cols.10 publicaram a revisão sistemática da utilização desse enxerto para determinar se esse tendão é viável como opção para a reconstrução do LCA. Concluem que a literatura corrente sugere a viabilidade da utilização desse tendão na reconstrução do LCA; estudos mostram estabilidade, resultados funcionais, morbidade da área doadora e índices de re-ruptura do enxerto semelhantes quando comparados com os enxertos do tendão patelar e tendões flexores. Observa-se um aumento da utilização desse enxerto para reconstrução do LCA.
Outra opção de enxerto são os aloenxertos (retirados de cadáveres de mesma espécie). As opções desse tipo de enxerto são: tendões flexores, tendão patelar, quadríceps, aquiles, tibial anterior, tibial posterior e fibulares.11 Mistry12 , em uma revisão sistemática, comparando os aloenxertos com os autoenxertos, apresentam pouca diferença com relação às taxas de falha (7% e 6%, respectivamente). O custo, sem dúvida, é maior com os aloenxertos. No entanto, nos casos de lesões complexas do joelho (multiligamentares) ou mesmo nos casos de revisão do LCA, o aloenxerto pode ser a única opção viável disponível. Essa opção de enxerto, atualmente, é timidamente utilizada no nosso meio, somente em alguns serviços, pela dificuldade de obtenção dos mesmos.
Uma técnica também utilizada é a utilização do enxerto com poliéster artificial feito de tereftalato de polietileno (PET) chamado de LARS – Ligament Advanced Reinforcement System. Mulford13, em um estudo de revisão sistemática, conclui que a literatura tem baixa qualidade metodológica e que os resultados a curto prazo não apresentam diferenças significativas quando comparados aos autoenxertos. No Brasil essa seleção de enxerto raramente é uma opção de escolha.
Apesar da abundância de estudos sobre os tipos de enxerto de LCA, ainda não existe um enxerto ideal e não existe um algoritmo geralmente aceito para a seleção do enxerto para um determinado paciente. A individualização do enxerto, dependendo das características individuais de cada paciente, é um tema ainda em debate.
A escolha do enxerto para a reconstrução do LCA é um tópico altamente estudado, mas ainda muito debatido. A maioria das publicações não relatam diferenças muito significativas entre os enxertos disponíveis.
Embora seja importante estudar a seleção do enxerto, outras variáveis como a posição do túnel, as técnicas de tensionamento, os métodos de fixação, entre outras, são igualmente importantes. Uma confirmação dessa afirmação é que, como já foi dito, a reconstrução do LCA é realizada para prevenir a degeneração da articulação, mas na verdade, não é isso que observamos na prática clínica e na literatura.14,15
O estudo de apenas uma variável cirúrgica isolada, que pode ou não influenciar a biomecânica do joelho reconstruído do LCA, pode levar a recomendações cirúrgicas equivocadas. Portanto, a escolha do enxerto é somente uma variável.
Respondendo o questionamento da importância da escolha do enxerto: tem sua importância, mas não é o único fator relevante para o sucesso da cirurgia.
Todas essas discussões, publicações, teses, são muito importantes na busca do enxerto ideal. Ainda não encontramos!
Referências
1. Sanders TL, Pareek A, Kremers HM, et al. Long-term follow-up of isolated. ACL tears treated without ligament reconstruction. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2017;25: 493–500.
2. Kaeding CC, Pedroza AD, Reinke EK, Huston LJ, Consortium M, Spindler KP. Risk Factors and Predictors of Subsequent ACL Injury in Either Knee After ACL Reconstruction: Prospective Analysis of 2488 Primary ACL Reconstructions From the MOON Cohort. Am J Sports Med. 2015;43:1583- 1590.
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4. Andernord D, Desai N, Bjornsson H, Ylander M, Karlsson J, Samuelsson K. Patient predictors of early revision surgery after anterior cruciate ligament reconstruction: a cohort study of 16,930 patients with 2-year follow-up. Am J Sports Med. 2015;43:121-127.
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8. Aglietti P, Giron F, Buzzi R, Biddau F, Sasso F. Anterior cruciate ligament reconstruction: bone-patellar tendo-bone compared with double semitendinosus and gracillis tendo grafts. A prospective randomized trial. J Bone Joint Surg Am. 2004 Oct;86(10):2143-55.
9. Samuelsen BT, Webster KE, Johnson NR, Hewett TE, Krych AJ.
Hamstring Autograft versus Patellar Tendon Autograft for ACL Reconstruction: Is There a Difference in Graft Failure Rate?
A Meta-analysis of 47,613 Patients. Clin Orthop Relat Res. 2017 Oct;475(10):2459-2468.
10. Hurley ET, Calco-Gurry M, Withers D, Farrinton SK, Moran R, Moran CJ. Quadriceps Tendon Autograft in Anterior Cruciate Ligament Reconstructin: ASystematic Rewiew. Arthroscopy 2018 May;34(5):1690-1698.
11. Lin KM, Boyle C, Marom N, Marx RG. Graft Selection in Anterior Cruciate Ligament Reconstruction. Sports Med Arthrosc Rev. 2020 Jun;28(2):41-48.
12. Mistry H, Metcalfe A, Colquitt J, Loveman E, Smith NA, Royle P, Waugh N. Autograft or allograft for reconstruction of anterior cruciate ligament: a health economics perspective. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc 2019 Jun;27(6):1782-1790.
13. Mulford JS, Chen D. Anterior cruciate ligament reconstruction: a systematic rewiew of polyethylene trephthalate grafts. ANZ J Surg 2011 Nov;81(11):785-789.
14. Thompson SM, Salmon LJ, Waller A, et al. Twenty-year outcome of a longitudinal prospective evaluation of isolated endoscopic anterior cruciate ligament reconstruction with patellar tendon or hamstring autograft. Am J Sports Med. 2016;44: 3083–3094.
15. Leys T, Salmon L, Waller A, et al. Clinical results and risk factors for reinjury 15 years after anterior cruciate ligament reconstruction: a prospective study of hamstring and patellar tendon grafts. Am J Sports Med. 2012;40:595–605.