Espondilolistese Lombar em Ginasta

Por Michel Kanas

O termo espondilolistese se refere a translação de uma vértebra no plano sagital em relação a vértebra imediatamente inferior, e pode ter diversas etiologias.

Esse desalinhamento, se dá, principalmente, quando ocorre perda do mecanismo de contensão (“gancho”) que as facetas articulares superiores da vertebra de baixo, exercem sobre as facetas articulares inferiores da vertebra de cima. (Figura 1)

Figura 1 – Classificação etiológica da espondilolistese (Wiltse LL, Newman PH, Macnab I. Classification of spondylolysis and spondylolisthesis. Clin Orthop 1976; 117:23 –9)

Os dois tipos mais comuns são:

Lítica ou Ístmica (Tipo II) – Relacionadas ao defeito da Pars Interarticularis ou Istmo. Sendo a fratura por estresse da Pars, o mecanismo mais comum (Subtipo IIa).

• Degenerativa (Tipo III) – Ocorre perda do mecanismo de contensão, pela degeneração e sagitalização das facetas articulares (mais comum acima dos 50 anos)

 

Alguns fatores podem predispor a fratura por estresse da Pars Interarticularis, também conhecida como espondilólise: (figura 2, vídeo 1)

 

1. Gesto Esportivo – A prática de esportes com movimentos repetidos de hiperextensão e rotação, gera sobrecarga e estresse no istmo.

2. Coluna imatura – A ossificação na região da Pars só ocorre por volta dos 20 anos de idade, a presença de diversos núcleos de ossificação no arco posterior da vértebra, torna a Pars um ponto de fraqueza, biomecanicamente suscetível a lesão por estresse e traumas de repetição,

3. Biotipo cisalhante – O aumento da lordose lombar e a anteversão pélvica, decorrentes do encurtamento do Psoas, rigidez da fáscia toracolombar, fraqueza abdominal e hipercifose torácica, aumentam o estresse mecânico na região da Pars.

Figura 2 – Fatores que predispõe a fratura por estresse da Pars Interarticularis

Vídeo 1 – Mecanismo da fratura por estresse da Pars Interarticularis, gerando espondilólise bilateral, seguida de espondilolistese.

Também há predisposição genética, sendo mais comum em brancos do que em negros, e esquimós apresentam mais alta incidência.

 

A ginástica artística, também conhecida como ginástica olímpica no Brasil, é uma modalidade que envolve os principais fatores de risco para espondilólise/listese. Os atletas começam a praticar já na infância, com 4 a 5 anos de idade; os treinos são muito intensos, tanto em carga, quanto em duração; e o gesto esportivo exige muita flexibilidade, com hiperextensão e torção chegando aos extremos do arco de movimento. (vídeo 2)

Vídeo 2 – Gesto esportivo na ginástica olímpica

 

A incidência de espondilólise ou espondilolistese descrita na literatura, em ginastas, varia de 5 a 40%, sendo, na maioria dos estudos, superior à incidência de 5 a 7% descrita na população geral.

Um estudo que avaliou a morfologia espinopélvica em ginastas, verificou que atletas que apresentavam espondilólise e espondilolistese, tinham maior incidência pélvica e inclinação sacral.

 

É mais fácil visualizar a lise no istmo através da TC com cortes finos, do que na RM, porém a presença de edema na RM irá confirmar se a lesão é aguda, ou antiga; a cintilografia óssea e a SPECT-CT também auxiliam nessa avaliação.

 

O ginasta com espondilolistese na fase aguda, apresenta dor lombar limitante que pode ou não irradiar para os membros inferiores, no entanto, na maioria dos casos, o escorregamento é de baixo grau (< 50%) e o atleta não apresenta sintomas de compressão neural. O tratamento das espondilólise e espondilolistese de baixo grau, inicialmente é conservador.

 

Na fase o aguda, o atleta deve ficar em repouso, por um período de aproximadamente 4-6 semanas, para diminuição do processo inflamatório, a fisioterapia deve ser analgésica, e o atleta pode fazer uso de algum colete para conforto. Ao final desse período, se o atleta estiver sem dor à mobilização da coluna, pode progredir para fase de fortalecimento, inicialmente isométrico, evoluindo para exercícios dinâmicos e posteriormente gesto esportivo. O período para retorno ao esporte, geralmente varia de 3 a 6 meses.

 

Apesar de na maioria dos casos, não haver consolidação do defeito da Pars, o tecido cicatricial formado no local confere estabilidade de forma que os atletas fiquem assintomáticos e sem piora no desempenho esportivo.

 

O tratamento cirúrgico pode ser indicado nos casos de espondilolistese de alto grau (> 50% de escorregamento); presença de déficit neurológico; dor incapacitante e sem evolução com tratamento clínico.

Os casos de espondilólise, ou espondilolistese Grau 1 (< 25% de escorregamento), podem ser tratados com osteossíntese da Pars, poupando artrodese do nível, desde que o disco intervertebral e as facetas articulares não estejam degenerados, a ponto de serem considerados fonte significativa de dor. As principais técnicas utilizadas são Buck (parafuso de compressão), amarilhas de Scott, parafusos pediculares, ganchos e hastes. (figura 3)

Figura 3 – Técnicas de osteossíntese da Pars. A fibrose deve ser ressecada, e realizada cruentização local seguida de colocação de enxerto ósseo, e compressão local com uma das técnicas demonstradas.

Escorregamentos superiores a 25%, casos com déficit neurológico ou importante degeneração, devem ser tratados com descompressão e fusão do nível acometido.

A taxa de retorno à atividade esportiva seja com tratamento clínico ou cirúrgico, varia de 80 a 90%, num período entre 6 meses e 1 ano. Atletas com sucesso no tratamento clínico, têm retorno mais precoce.

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